sábado, 5 de dezembro de 2015

"16 Dias de Ativismo 2015 - Tráfico de Mulheres: violências de género, trabalho sexual e direitos humanos postos em causa".




Tráfico de mulheres. Estamos em pleno século XXI e este tipo de violência exercida sobre as mulheres continua a ocorrer. Continuamos sempre a ser percepcionadas como menores, desvalorizadas, inferiorizadas, fracas, menosprezadas, o elo fraco das relações de género. Ser mulher é ainda ser potencial vítima de violência, só por causa do sexo com que acidentalmente nascemos. A nossa genitalia não é apenas altamente desejada, é também profundamente lucrativa. Neste texto proponho uma breve reflexão qualitativa sobre  tráfico de mulheres, enquadrando esta forma na violência contra as mulheres, intercruzada com os direitos humanos.

Tráfico de seres humanos (TSH) – convém lembrar que as mulheres também são seres humanos – significa escravatura moderna, exploração, exclusão, discriminação e violência. Encontra-se em particular nos grupos sociais marginais, aqueles nas margens das sociedades. Definido no Protocolo relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, da ONU, vulgarmente conhecido como Protocolo de Palermo, de 2000, o tráfico de pessoas é:

O recrutamento, transporte, transferência, abrigo ou recepção de pessoas, através da ameaça, do uso de força e de outras formas de coerção, rapto, fraude, engano, abuso de poder, da posição de vulnerabilidade, de dar ou receber pagamentos ou de benefícios para conseguir o consentimento de uma pessoa que tem o controlo sobre outra pessoa, com a finalidade da exploração. Exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou de outras formas de exploração sexual, trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares a escravatura, servidão ou a remoção de órgãos.

Um exemplo-alvo deste tipo de violência e crime, onde não coabitam empiricamente os direitos humanos, são as trabalhadoras do sexo, comumente conhecidas como prostitutas. Ser prostituta é estar à margem da lei, à margem da sociedade, sem recurso ao apoio social (i.e., da própria sociedade) habitualmente conhecido como direito fundamental. Se juntarmos à categoria social o ser-se trabalhadora (ou trabalhador) do sexo, o facto de muitas destas pessoas serem imigrantes em situação irregular, temos a plena alienação destas pessoas-menores, alvos fáceis para predadores do lucro cego com a venda e exploração do corpo e da moral do ser humano. A marginalidade gera exclusão e empurra estas marginais cada vez mais para a clandestinidade e o silenciamento (Alvim, 2013; Silva et al., 2013; Bordonaro e Alvim, 2011 e2010; Oliveira, 2011 e 2004; Silva e Ribeiro, 2010; Ribeiro et al., 2007; Santos, 2007; Ribeiro eSacramento, 2005).

O tráfico de mulheres ocorre com menor frequência quantitativa que aquela que é alarmemente imaginada. Não perde, por isso, o valor abjecto de tamanha desumanidade. Um ser humano não é uma coisa, não pode ser coisificado, sem dignidade nem direitos. Mas é isso que ocorre nos casos conhecidos em território nacional e internacional.

Para clarificar, uma trabalhadora do sexo é-o por livre iniciativa, independentemente de todos os constrangimentos do trabalho. Mas dada a invisibilidade destas mulheres e a falta de direitos por via de escolha de um trabalho que na maioria dos países não é assim visto, tornam-se elas próprias também potenciais vítimas de tráfico que, sublinhe-se, pode ocorrer dentro da fronteira de um país.
Em consequência de um estudo feito sobre o assunto (Alvim, 2013), conheci através do trabalho de campo com observação participante, mulheres que escondem a sua actividade da família; que imigram enganadas com o que as espera além-fronteiras (número de horas e clientes a receber diariamente); que já optaram por abandonar a actividade prostitutiva para laborar num trabalho “normal” aos olhos da sociedade (na restauração, serviço doméstico ou costura, por exemplo, onde os ganhos são poucos), mas que mais cedo que tarde regressam à prostituição por causa do dinheiro; que, embora escolhendo o trabalho sexual, uma vez que não têm apoio social (excepção feita às organizações que lidam com o assunto e actividades conexas), foram raptadas, forçadas à venda de sexo contra vontade, mas que conseguiram fugir, ainda que com danos psicológicos e físicos, e que uma vez livres dos seus traficantes, regressam novamente ao trabalho sexual por sua livre iniciativa.
Se se quer eliminar de facto o TSH é fundamental envolver nesse combate as próprias trabalhadoras sexuais, maiores conhecedoras do seu mundo e por isso as melhores aliadas, a quem devem ser dados Direitos Humanos.


bibliografia

Alvim,Filipa, 2013, “Só Muda a Moeda”:Representações sobre Tráfico de Seres Humanos e Trabalho Sexual em Portugal,Lisboa: ISCTE-IUL.

Bordonaro,Lorenzo e Alvim, Filipa, 2011, “Tráfico de mulheres em Portugal: a construçãode um problema social” in Silva, Pedro Gabriel, Sacramento, Octávio e Portela,José (orgs), Etnografia e IntervençãoSocial: Por uma praxis reflexiva, Lisboa: Colibri, pp. 61-83.          

Bordonaro, Lorenzo e Alvim, Filipa,2010, “The greatest crime in the world´s history”: uma análise arqueológica do discurso sobre tráfico de mulheres”, in Silva, Manuel Carlos e Ribeiro, Fernando Bessa (orgs), Mulheres da Vida.Mulheres com Vida: Prostituição, Estado e Políticas, Ribeirão: Edições Húmus Lda, pp. 51-73.

Oliveira, Alexandra, 2011, Andar na Vida: prostituição de rua e reacção social, Coimbra: Almedina.

Oliveira,Alexandra, 2004, As Vendedoras de Ilusões: Estudo sobre Prostituição, Alterne e “Striptease”, Lisboa: Editorial Notícias.

Ribeiro,Manuela, Silva, Manuel Carlos, Schouten, Maria Johanna, Ribeiro, Fernando Bessa e Sacramento, Octávio, 2007, Vidas na Raia. Prostituição feminina em regiões de fronteira, Porto: Afrontamento.

Ribeiro,Manuela e Sacramento, Octávio, 2005, “Violence against prostitutes. Finding of research in the spanish-portuguese frontier region” in European Journal of Women´s Studies, 12 (1), pp. 61-81.
Santos, Boaventura Sousa, Gomes, Conceição, Duarte, Madalena e Baganha, Maria Joanis,2007, Tráfico de Mulheres em Portugal para fins de exploração sexual, Coimbra: Centro de Estudos Sociais (CES), Laboratório Associado Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra.

Silva,Manuel Carlos, Ribeiro, Fernando Bessa e Granja, Rafaela, 2013, Prostituição e Tráfico de Mulheres para fins de exploração sexual. Um contributo para a sua delimitação conceptual e aproximação ao contexto português, Prior Velho: Letras Paralelas.

Silva,Manuel Carlos e Ribeiro, Fernando Bessa (orgs.), 2010, Mulheres da Vida, Mulheres com Vida: Prostituição, Estado e Políticas: Vila Nova de Famalicão: Húmus.


Link original na UMAR:


https://www.facebook.com/notes/filipa-alvim/16-dias-de-ativismo-tr%C3%A1fico-de-mulheres-viol%C3%AAncias-de-g%C3%A9nero-trabalho-sexual-e-d/10153840989829444