quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

"O Erro de Cam: o Tráfico de Seres Humanos da origem aos dias que correm" in Buala


Reza a Bíblia que foram os filhos de Noé que povoaram toda a terra. Depois do Dilúvio, Noé instala-se em terra firme com os seus três filhos Sem, Cam e Jafeth. Depois de plantar uma vinha e consequentemente se embebedar, adormece no interior da sua tenda, onde é encontrado por Cam. Este, vendo a nudez do pai, apressa-se a ir contar aos irmãos. Sem e Jafeth têm a cortesia de cobrir o pai. Quando acorda, Noé descobre o que o seu filho mais novo fez e amaldiçoa-o: que todos os descendentes de Cam sejam servos, escravos. Cam é o “pai” de Cannan (Génesis 9, 10: 25). Assim nasce a escravatura. Com esta pequena história bíblica, afirma Goldenberg, justifica-se a escravatura negra por mais de mil anos (Goldenberg, 2003:1)1.
A escravatura tem acompanhado a história da humanidade desde os primórdios, se aceitarmos como verdade testemunhos da Ilíada de Homero ou a própria Bíblia. A escravatura indígena é inegável. Basta lembrar os relatos do trabalho escravo colonial e “o horror, o horror” de Joseph Conrad. A escravatura acompanha-nos há demasiado tempo, foi absorvida pelo nosso código genético imaginário e moral. Hoje ensinam-nos o propósito da eliminação da dialéctica explorados/exploradores, mas nunca como hoje essa dicotomia esteve tão presente. A reinvenção da ideia de tráfico, assistida pelo conceito de seres humanos e assente na intenção ética de igualdade, pretende que hoje ninguém deve ser comprado ou vendido, que nenhum ser humano é mercadoria, que ninguém pode ser explorado. O que não deixa de ser curioso – deverei ter a ousadia de dizer mesmo hipócrita? – quando vivemos plena crise económica, financeira e social, global.
Hoje absolvemo-nos do passado com a criação de leis igualitárias que focam a supressão das diferenças entre pessoas e a abolição de actos transformados em crimes, como é o caso do tráfico de seres humanos (TSH) – nada mais, nada menos, que a reinvenção actual do conceito de escravatura.
Permitam-me propor-vos uma breve viagem ao mundo conceptual do tráfico de seres humanos, onde a interpretação deste flagelo é feita em grande medida em função do mundo da prostituição ou do trabalho sexual, das representações de género, sexo e imigração, no que toca ao imaginário social. A pergunta principal deste texto é muito simplesmente: o que é o tráfico de seres humanos?
Alvim, Filipa, 2015, "O Erro de Cam: o Tráfico de Seres Humanos da origem aos dias que correm" in BUALA:

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

"Por um 2015 mais globalmente humano" in Figueira na Hora



Começo com um cliché. Ano novo, vida nova. Votos, os de sempre. Tudo do melhor. Sonhos, saúde e prosperidade. Outro cliché. Mas sincero.

Outros votos: igualdade. Objectivos alcançados. Liberdade. Humanidade. E poucos momentos de coração partido. São inevitáveis. Desejo que sejam poucos para tod@s. E globalização. Mas globalização a sério: igualdade, transversalidade, transnacionalidade, migrações, movimento, circulação de ideias, de coisas e de conhecimento, de crescimento, de encontros, choques, transformação, sincretismos, fusões.

Bem vistas as coisas, esta globalização não existe verdadeiramente, é utópica. É o que deveria ser. Precisamos de um regime novo. Na verdade, precisamos de uma implosão, nem sequer “a revolução necessariamente violenta” de Marx, mas um cataclismo de dentro para fora. E não apenas no ocidente. No mundo inteiro. Uma rebelião humana, sem violências étnicas, religiosas, domésticas ou de género, sem 450 imigrantes ilegais a boiar num barco sem comando no Mediterrâneo, sem ataques terroristas. Precisamos de um terremoto humano, uma revolução.

O que é que eu queria com uma revolução? Que transformação? Começava com as coisas simples. Ou regressava às perguntas simples, como diz Boaventura Sousa Santos. O que é que devemos exigir das nossas vidas? Dignidade. E o que é que isso significa? A ausência de tristeza latente, constante, a ausência de desanimo, de desmotivação. Mas a dignidade não se resume a ausências. É muito mais existências. De sentido de felicidade, de bom humor, de animo, de motivação, de alma. “Comer e curtir”, "a minha liberdade acaba quando a tua começa" e “se isso te faz feliz, faz” por lemas de vida individual e colectivo.

Amor e trabalho, são sempre dois dos tópicos dos horóscopos. E com razão de ser. Do mais rico ao mais pobre, a mulher e o homem, o novo e o velho, seja lá de que género, nacionalidade, idade, ou características géno e fenotípicas for, tod@s queremos amor e trabalho (que é o mesmo que dizer prosperidade [obrigada revolução protestante e o espírito do capitalismo. Sim, estou a falar de ti, Webber]).

Levo a sério o princípio do “desejo a tod@s o que desejo para mim”. O que é que eu quero para mim? “Saúdinha”, amor sem grandes desavenças, dificuldades e com cumplicidade. E trabalho “com alegria”. Ah, não, espera, a expressão é ao contrário, é “alegria no trabalho”. (Desculpem, tenho esta terrível mania de escrever como falo. Depois dá isto).

Respeito. Sobretudo quero respeito. Não é pedir muito. Quero respeito do mundo. E como eu, qualquer pessoa deve exigir da vida o mesmo respeito. Votos de um 2015 de respeito para cada um, de cada um, e para tod@s. 

Link Figueira na Hora: