Let´s face it: assim não vamos a lado nenhum. É preciso inventar a luz, alguma luz, ao fundo do túnel. Quais são - ou melhor, quais devem ser - os verdadeiros valores que regem - isto é, que devem reger - a nossa existência?
A igualdade é o valor primordial da humanidade. Todo o ser humano é igual, independentemente das diferenças biológicas ou físicas, culturais, de género e de sexo, de estado político e socioeconómico, de etnia, de religião, de naturalidade.
Viver é pensar um caminho e percorrê-lo. Aceitar os desvios e transformações. Mudar é bom.
Acabemos com os mitos, com histórias bonitas que se contam a crianças que acreditam e por vezes determinam toda a sua existência.
Hoje creio que todos concordamos com a inexistência de “um estatuto” intransformável. Pelo menos para a maioria de nós. Sem património, isto é sem bens acumuláveis pelos nossos pais, e mesmo quando ele existe a priori (quantos relatos de fortunas perdidas, mesmo das "pátrias", que são "pai" no feminino), não se “entra na vida” pela porta da frente. Entramos, a maioria de nós, pela porta das traseiras e passamos toda uma existência a tentar chegar à porta da frente. Há quem perca tudo, a meio do corredor, junto a uma qualquer sala da nossa casa. Há quem seja posto fora, na rua.
Há quem tenha o poder para entrar de novo em casa e continuar o passeio público pelas assoalhadas (como num museu ou numa exposição). Não estou a falar dos empresários-políticos. Estou a falar dos sem-abrigo. Com todas as nossas diferenças de património simbólico e cultural, todos, sem excepção, são sujeitos-fonte de poder, do seu poder. O actor português que admitiu ter dormido na rua no passado é um bom exemplo.
Hoje não existe “estatuto”, excepto para as mentes, pobres, que se regem pelos mitos. Aqueles que acham que ter o último i-phone, o último carro, a última playstation, ou outra maquineta dessas que faz vista, faz deles "melhores". Os que ainda não perceberam que hoje podem ter tudo, para amanhã acordar sem nada.
Hoje existem são estados, diferentes fases da vida, com mais ou menos competências, capacidades, técnicas e sorte.
As três primeiras são facilmente entendíveis, ou não estivéssemos na fase social das “novas oportunidades”. Aprender é um dado adquirido (apesar dos fechos de escolas). Mediante as escolhas feitas na escola, decidimos ou projectamos o que
queremos ser e trabalhamos para chegar a esse objectivo.
É uma pena que as escolas técnicas estejam em declínio, que tenham terminado com os cursos técnico-profissionais que, consta, davam outros caminhos, motivadores e empregáveis às pessoas. A tentativa de renascimento destes cursos continua uma nódoa, porque alguém se lembrou de dizer às massas que só somos “bons” se formos “médicos e doutores”. Nada mais idiota. Precisamos de todas as castas profissionais. Do almeida, do homem do lixo, ao farmacêutico, traficante de droga, do trabalhador do sexo, do contabilista e do policia, do padeiro, do agricultor ao cientista. Ninguém é descartável. Nem os assassinos, como nos diriam frontalmente os governos e as agências do Estado, se para isso tivessem coragem. Mas é indiferente que digam. Nós sabemos.
Quanto à sorte, tendemos a esquecer que é um factor importante na vida de qualquer uma ou um. Como cremos que não a controlamos, descartamo-la. É importante dar valor à sorte, parte da qual é fruto, já diz o velho ditado popular guineense, do nosso trabalho. Colhemos o que semeamos. Porque o ditado é sabedoria milenar.
A sorte é incontrolável, mas a disponibilidade não. Quando estamos disponíveis, surgem novos trilhos, caras, vidas. Quando estamos disponíveis, para nós e para os outros, somos mais, aí sim, se me permitem, "melhores".
Para que serve “Eu” trabalhar só para “Mim”? Que triste subir sozinha os degraus da vida. Que angustiante acabar isolada. Mais vale assumir, de uma vez por todas, sem qualquer pudor: Caminhamos, sós, mas em grupo, a mesma passagem. Como um caminho num bosque, com altos e baixos, com paisagens mais ricas que nos mergulham numa condição mais extrovertida, mais dada ao outro, mais engajada, mais social ou que, pelo contrário, nos remetem ao silêncio, à reflexão, à introversão.
Mas para quê viver, senão para partilhar? A partilha é fundamental para a concepção de igualdade. E não falo sobretudo de riqueza material. Não entrarei na discussão das classes. É evidente que as diferenças de classes, o pobre e o rico, não são elimináveis. Porventura colmatáveis, com limagem de arestas, para que aquilo que são os direitos fundamentais - isto é, coisas que nos permitem a sobrevivência - sejam acessíveis a todos: a paz, o pão, habitação, saúde, educação.
Posto isto, haverá sempre alguém mais rico e alguém mais pobre. É preciso é valorizar tanto um como o outro porque na verdade são iguais. Nascem da mesma forma. Morrem da mesma forma. O sangue que no entretanto lhes passa nas veias é igual.
"Aquilo que eu quero para mim é aquilo que quero para todos". Só na tentativa de concretizar este mote conseguiremos sair deste estado decrépito de espécie que só a é - ou só a tem sido - biologicamente.
Somos todos iguais. Quer isso dizer que não há diferenças? Não! Pelo contrário! O que nos une é verdadeiramente a diferença entre nós, bichos que andam sobre duas pernas, mas que pensam, vivem, alimentam-se, vestem-se, conversam, constroem, criam, até morrem ritualmente, de forma diferente.
Let´s face it: é uma visão. É só uma visão. Porventura - dirão os que já perderam toda a esperança ou os demasiado cínicos - ingénua. É-o certamente. E por que não? É com certeza um mito, não de passado, mas de futuro. Mas é Exequível. No dia em que percebermos que 10% de 7 biliões de pessoas não podem mandar em nós.
São os valores que regem o mundo. O valor do mercado. Mas eu descarto essa visão e prefiro outro caminho. Valores sim. Mas os valores não podem ser só cifrões, doláres ou euros, a surfar abstractamente uma bolsa. Valores também não podem ser só ideias decoradas tantas vezes de forma acritica, em memória oral e escrita. Valores sim. Consta que são 7 biliões. Valores são as pessoas.