sábado, 15 de agosto de 2015

Ao Cuidado da Prostituição e a decisão histórica da Amnistia Internacional

As relações sociais entre a Indústrias do Cuidado (Care, em contraponto ao Assistencialismo e Resgate ou Salvação “das pobres almas e corpos das prostitutas”) e a Indústria do Sexo são estreitas. Tal vê-se através da etnografia com agentes institucionais e individuais no terreno. Os actores principais deste mundo são assistentes sociais, prostitutas, trabalhadores do sexo e potenciais vítimas de tráfico. As relações entre estes actores estão repletas de significados simbólicos e, portanto, sociais de cuidado e apoio, mobilidade e vulnerabilidade. O Trabalho Sexual é a principal directriz que sustenta tais relações. Algumas ONGs aceitam o conceito do trabalho sexual, outras não. Aquelas que não aceitam a noção de trabalho sexual acreditam que todas as prostitutas são vítimas e o seu principal objectivo é “libertar as pessoas da prostituição”.
A prostituição não é ilegal em Portugal, mas também não é legal. As prostitutas e @s profissionais do sexo recebem pouca ou nenhuma atenção senão através da categoria-cortina de vítimas: vítimas de tráfico, de lenocínio, de exploração, de violência. A discussão sobre a agência e as agendas sociais encarna os actores sociais e os seus costumes no campo, onde alguns só vêem vítimas, e outros vêem as pessoas que afirmam que escolheram, dentre todas as possibilidades, a prostituição como meio de vida ou sobrevivência. Uma destas organizações é, curiosamente, a Obra Social das Irmãs Oblatas do Santíssimo Redentor – doravante, Irmãs Oblatas [1] e o seu Projecto de Rua e Cursos de formação oferecidos.
As Irmãs Oblatas são uma congregação religiosa fundada em Madrid em 1864, e com sede em Portugal, em 1987, que trabalha desde o seu início com prostitutas, tal como a associação abolicionista O Ninho [2], uma organização civil e feminista portuguesa fundada em 1967, seguindo o modelo do Nid francês fundado em Paris pelo Padre André Marie Talvas em 1936. As Irmãs Oblatas trabalham com o conceito de trabalho sexual. O Ninho, líder abolicionista em Portugal, não utiliza tal termo. Para o Ninho existem apenas “mulheres prostituídas”, vitimizando qualquer pessoa que entenda exercer a prostituição.
Já a congregação religiosa, quasi-ONG, Irmãs Oblatas, formada por freiras e assistentes sociais, são hoje parte da Rede sobre o Trabalho Sexual (RTS), a única plataforma do seu género em Portugal que presta apoio de assistentes sociais e profissionais do sexo para @s trabalhador@s do sexo.
A RTS foi uma das inúmeras organizações que estiveram envolvidas na tomada de decisão por parte da Amnistia Internacional de descriminalizar o trabalho sexual para, aliás de acordo com os próprios movimentos globais d@s trabalhador@s do sexo, proteger as e os prostitutos da violência, do silenciamento, da exploração, da discriminação e do estigma. “O estigma mata”. Está mais que na altura de evoluir e deixar de tratar “uns como filhos e outros como enteados”. O Movimento global d@s Trabalhador@s do Sexo e a Amnistia Internacional estão, na minha opinião, de sinceros parabéns.

LINK ORIGINAL: CRÓNICAS FIGUEIRA NA HORA

[2] Site: http://www.oninho.pt/ (3.07.2015).

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