quarta-feira, 21 de maio de 2014

“Conchita Forever!” in Crónicas Figueira na Hora

Não vi o festival da Eurovisão. Estava a trabalhar. Mas como quase todos, acompanhei tanto quanto pude a participação da Conchita. As reacções das pessoas foram elas próprias bem divertidas: “O que é isto?!?”; “É mulher ou homem”?; “Só com provocação é que ganhou”. Mentira: a Conchita canta bem, tem uma óptima presença em palco, tem o corpo que muitas mulheres “biológicas” gostavam de ter. Não desvalorizo, todavia, a provocação. Pelo contrário, senti uma enorme admiração por tamanha coragem.

Chamam-lhe a mulher-barbuda, pensado que é um nome original. Não é. Aqui entre nós em Portugal tivemos a Barbuda, que era prostituta e mãe da mítica “primeira fadista”, a Severa. Ana Gertrudes Severa, a Barbuda, era uma célebre prostituta da Mouraria do século XIX, e Maria Severa terá ingressado muito cedo na mesma profissão, depressa se distinguindo nesse meio, não só - e muito em particular, como seria de esperar em semelhante contexto - pela beleza trigueira, como ainda pelos dotes invulgares de cantadeira de Fado (apenas uma curiosidade sobre a nossa história).

Agora, 2014, Thomas “Tom” Neuwirth, ou Conchita Wurst, é uma cantora austríaca. O que também não deixa de ser curioso. É de um país com fama de ser assim um bocado para o reaccionário  que brota esta estrela transgénero.
Simone de Beauviour já tinha escrito que “não se nasce mulher, faz-se mulher”, através da educação e do papel esperado a desempenhar. Não é, claro, a única autora a defender esta ideia. Mas leiam o Segundo Sexo, que justifica e aprende-se umas ideias. E o tipo de escrita é acessível a todos. Além de que, pessoalmente, é um livro brilhante.

Conchita veio demonstrar uma coisa que só agora começamos a aprender – e como novidade, é negada ainda pela maioria: podemos ser o género que formos, apesar do sexo com que nascemos. Biologia não é socialidade. Nascer mulher já não tem por destino final ser escrava do homem e parideira. Ser homem já não significa ser chefe de família e seu sustento. Ser trans não significa doença ou anomalia. As possibilidades são infinitas, tantas quantas a nossa imaginação, necessidade e desejo. Conchita veio demonstrar isso. Merece todo o respeito.
Parabéns Conchita! 

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