segunda-feira, 28 de julho de 2014

“Seguradoras ou ambientes quasi-wall street da demência” in Figueira na Hora

Entrar às 16 horas, sair à meia-noite. Entrar no caos, no quadro da parede a vermelho de chamadas a cair (quando devia estar todo verde), de pedidos de assistência diversos em espera, de tudo em stress, na loucura de uns a entrar e outros a sair. Atender as chamadas em 13 segundos, enquanto ainda se está a fechar um ou vários processos, a enviar ajuda, um reboque à estrada, um médico ou um técnico (um canalizador ou electricista ou outra coisa qualquer) a casa do segurado.


Uns sentados, calmos, com os headphones a conversar com quem está a solicitar ajuda. Não é bem conversar, porque o tempo conta para a produtividade. É despachar, por palavra de ordem. Outros nervosos com a insistente conversa. Outro em pé, com papéis na mão, que devem ser entregues no imediato aos coordenadores para dar imediato seguimento. Outros de pé, já furiosos com tanto insulto e discussão e reclamação. Alguns começam a andar de um lado para outro, tanto quanto o fio da linha telefónica permite.


Uns devem atender apenas as chamadas o mais rapidamente possível. Outros devem dar seguimento aos pedidos e enviar os meios. Outros devem confirmar se os meios foram de facto enviados no tempo estipulado. Entrar no caos faz-nos sentir inicialmente úteis: o objectivo é afinal ajudar quem precisa e paga os seus seguros, claro. E depois faz-nos caóticos. 


Imagine-se, por hipótese, que estamos a falar de um espaço com 400 pessoas a trabalhar em simultâneo, a falar ao telefone – visto tratar-se de um “ambiente de call center”. O som vai aumentando contra vontade, até estarem todos, basicamente, a gritar. O falar alto, para nos fazermos ouvir só é suplantado, não tanto pelos restantes 399 colegas, mas pelos gritos dos coordenadores: “temos 10 chamadas em espera!”, que é o mesmo que dizer: “toca a despachar, seus inúteis!”.


Uns em pé, uns sentados, uns calmos, a maioria stressada. É um ambiente quasi-wall street da demência. Não há tempo para respirar. Tudo tem de ser tratado no imediato. Não há desculpas, não há atestados médicos e faltas por doença (embora conste que os que trabalham neste hipotético espaço há mais de 5 anos tenham todos colocado já baixa psicológica). São estes os espaços que hoje nos dão trabalho. São os empregos da demência. 


Link: 

Figueira na Hora: https://www.facebook.com/notes/figueira-na-hora/a-opini%C3%A3o-com-filipa-alvim-seguradoras-ou-ambientes-quasi-wall-street-da-dem%C3%AAnci/482276485250079


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