sexta-feira, 4 de março de 2011

«Prostitution and human trafficking is a human rights problem»




A questão é que sim senhor, devemos falar de tráfico de pessoas. E de prostituição. Não é preciso confundir os 2 conceitos. São assuntos que porventura estão ligados. Mas o tráfico é muito mais que prostituição. E prostituição é muito mais do que tráfico. São assuntos distintos. Independendes. Devem ser discutidos em tempos diferentes. Com interlocutores diferentes.

Hoje ouvi uma expert, Katherine Chon, fundadora do Polaris Project (EUA), um projecto contra o TSH e a escravidão. Retive uma frase na conferência:

«Prostitution and human trafficking is a human rights problem».

O tráfico de pessoas é, segundo o Código Penal português (Lei 59/2007, de 4 de Setembro, artigo 160º):
quem oferecer, entregar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de órgãos:
a) por meio de violência, rapto ou ameaça grave;
b) através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar;
d) aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; ou
e) mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima; é punido com pena de prisão de três a dez anos.

A prostituição não está regulamentada e está mesmo em frente aos nossos olhos. Há problemas no mundo da prostituição. Como me disse a Sandra, apesar de ser a favor da legalização da prostituição (como muitas mulheres trabalhadoras do sexo, vulgo prostitutas), “com lucro para o Estado", esta é “uma etapa da vida que as mulheres querem apagar”.

O lenocínio é:
1 — Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.
2 — Se o agente cometer o crime previsto no número anterior:
a) Por meio de violência ou ameaça grave;
b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;
c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; ou
d) Aproveitando -se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima; é punido com pena de prisão de um a oito anos.

Se estivermos atentos, vemos homens dentro de carros a controlar (ou a proteger, como já ouvi?) as mulheres que se estão a prostituir.
Se pararmos para conversar ouvimos:
- Ao princípio era, ficava-me com o dinheiro [o companheiro], mas depois abri os olhos. Filho para sustentar, casa para pagar.
Ouvimos:
- Isso já não sei. Se for legal, muita pessoa há-de vir. Olhe, eu estive um ano fora, estava farta, mas depois optei por vir para aqui outra vez, ganhava 300 euros nas limpezas, não dava. Era para os vícios também, o tabaquinho, etc. Mas para legalizar era nos apartamentos, que na rua é mau.
E também:
- Entrei com 19 anos. Nunca tive carinho de ninguém. Mais tarde conheci um homem que me maltratava, o pai dos meus filhos. Tive 2 filhos. Um deles morreu com a droga na prisão. O outro vive no Algarve. Vive bem. Foi o pai dos meus filhos que me meteu na rua, no Intendente. Fiz queixa dele e foi preso, por fugir à tropa, preso por me bater...até me queria vender os filhos.
Ou ainda:
- Conheci outro senhor, que queria o dinheiro para a droga...Somos muito maltratadas pelos homens nesta vida
Mas também ouvimos:
- A prostituição vicia. Uma pessoa vicia-se. Ganha-se muito, é viciante.
Ou então:
- As miúdas que vêm, pelas drogas, era importante virem já com formação. E não terem homens, que já só querem é viver à custa delas. E elas caem nisso.
E mais:
- [Sobre problemas com clientes] Com um…Ele queria forçar. Eu grávida. No carro, ali no Parque. Consegui fugir. Até foi um homem que me foi buscar ao carro, que eu pus-me aos berros. Era um outro cliente, que ouviu, estava ali, e foi ter comigo. Não fiz queixa. Não consegui ficar com a matrícula.
- Outra vez foi com uma faca, para roubar, dentro do carro.
Ou mesmo:
- Agora começa o carnaval, começam as brincadeiras parvas, passam e mandam com coisas.

As trabalhadoras do sexo passam por violências tremendas. A maior delas todas é a invisibilidade de que padecem. Como um OPC (Órgão Polícia Criminal) me dizia:
- Acho que as pessoas fecham um bocado os olhos. É quase como se estivesse ali uma árvore. Para muita gente, estar ali uma prostituta ou uma árvore no Técnico é igual. Já é tão banal.

E ninguém liga. E quando estas mulheres (e homens, que também os há, embora não na rua, e trans) forem velhas não terão direito a reforma: "porque nunca trabalharam na vida". É justo?

Porque não apoiar as trabalhadoras do sexo que trabalham nessa área porque assim optaram?
Porque não assistir as trabalhadoras do sexo que trabalham nessa área contra sua vontade, mesmo que não tenham sido traficadas? Todos merecemos uma hipotese para mudar de vida.
Porque não tratar as prostitutas como pessoas iguais a todas as outras? E com esse sentido de igualdade criar as cumplicidades e a confiança necessária para todos estejamos atentos a casos de potenciais vítimas de tráfico? Na área do tráfico para exploração sexual, haverá melhor fonte? Melhor aliado?

1 comentário:

Filipa Alvim disse...

Entretanto, hoje a Laura Agustín postou a seguinte notícia:

"The value of the Poppy Project. The Poppy Project, which works with trafficked women, is losing its funding to the Salvation Army" in:
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/apr/22/poppy-project-trafficking-salvation-army